Ao percorrer um canteiro de obras, seja lá aonde for, uma coisa certamente chamará a atenção do visitante: a quantidade e a variedade de apelidos. 

A necessidade de produzir, bater metas e, com isso, obter ganhos acima do previsto, não dá tempo, sequer, de os trabalhadores se conhecerem pelos verdadeiros nomes. A partir da apresentação ao encarregado e nos primeiros contatos com os colegas, a identidade verdadeira é substituída por alguma coisa que retrate o seu perfil – muitas vezes de forma inusitada, até, como já aconteceu.

Um pedaço de madeira se desprendeu do escoramento e acertou em cheio o rosto de um carpinteiro. O trabalhador foi carregado às pressas para o hospital. Depois de ter o ferimento suturado e alguns dias de afastamento, o operário ficou com uma cicatriz, marca registrada do acidente. Quando se reapresentou, uma nova identidade foi criada em poucos minutos:

– O “Cara Rachada” voltou – é assim que surgem os apelidos.

O encarregado Raimundo Francisco, ao centro, exerce a liderança como um técnico de futebol: apostando sempre no conjunto – Fotos MV/ Cláudio Vieira

Raimundo já montou grandes times

Não foi à toa que o encarregado de obras Raimundo Francisco de Sena, 46 anos, maranhense do município de Caxias, trocou de apelidos. 

Quando chegou ao Rio, há 26 anos, e começou na construção civil, era o “Raimundinho”,  tão simples como um “Zé”. Vinha da roça e tinha pouco conhecimento sobre as coisas da vida. Ao receber o convite para uma vaga na construção civil, pensou que houvesse alguma ligação com a polícia civil.  Só aceitou quando soube que seria para trabalhar em obras. Ficou muito feliz, pois era o seu sonho. 

“Raimundinho” cresceu e aprendeu. Agora é Raimundo, o nome de batismo, mas também é respeitosamente chamado pelos companheiros de “Professor”. É como também os jogadores de futebol tratam os seus treinadores. Raimundo sabe tudo.

– O encarregado é como um treinador mesmo. Ele precisa conhecer cada peça do seu time e dar o mesmo tratamento a todos, sejam craques ou carregadores de piano. Precisamos descobrir o talento que existe em cada um e fazer com que todos joguem para o time. O encarregado é um líder, o comandante que vai indicar o caminho para vitória – voz grave e pausada, Raimundo afirma com autoridade.

Raimundo acompanha as reuniões de campo, com engenheiros e supervisores, atento aos detalhes do empreendimento

A tática é saber ouvir 

Ensina que o segredo do sucesso está no convívio com cada um dos colaboradores; na confiança e no respeito que deve haver entre comandante e comandados, solidários em qualquer situação. Todos são importantes e merecedores de uma boa conversa, sejam os mais falantes, os brincalhões, ou os caladões. Professor precisa conhecer o que eles pensam, o que sentem, o momento que atravessam.

– Senti que um de meus craques tinha parado de produzir. Andava triste, amofinado, de cabeça baixa. Me aproximei para conversarmos. Ele revelou que estava atravessando sérios problemas familiares. Disse a ele: “A família está em primeiro lugar. Vá para casa, converse com a patroa, com os filhos, e encontre uma forma de solucionar o que está lhe perturbando. Mas me mantenha informado, porque precisaremos de um substituto, se for o caso”. Felizmente, ele conseguiu sanar as dificuldades e voltou para o trabalho – lembra o encarregado, pai de seis filhas.

Professor conta que o respeito e o companheirismo estão acima de tudo. Jamais ouviu uma reclamação de seus colaboradores por causa de apelidos – uma prática que existe desde a Idade Média, na Europa, para diferenciar membros da família ou da nobreza que tinham o mesmo nome. Um era o Grande, o outro, o Pequeno; um era o Belo, o outro, o Feio. 

Ou, então, como ouvimos no canteiro de obras, onde trabalham Bafo de Bode, Bochecha, Brinquinho, Catatau, Chico Bala, Copo Cheio, Da Rita, Gambá, Manhoso, Mocreia, Mutante, Ratinho, Russo Preto, Sapão, Sem Pescoço, Vaqueiro, Velho, Zé do Queijo e tantos outros cidadãos brasileiros, integrantes de uma grande família.

 

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